29/07/2007

Ring of Fire


Ray Charles interpretando Ring of Fire
Essa música foi composta por June Carter e eternizada por Johnny Cash.
Uma obra prima de simplicidade.
Abaixo, o próprio Johnny Cash interpretando. Genial.


27/07/2007

despedidas

as pessoas passam
(e lavam a um real por peça)
e as possibilidades que encerram
quem as passa a limpo?
e quando?
enquanto
não somos,
viramos fumo?
o mar é o abismo
e a vontade é o muro
as pessoas cruzam o mar
quando navegar é preciso
enganam-se em relação a tudo
e arrancam os dentes do siso

E as pessoas que passam
nunca sentiram, parece,
na pele, de verdade, isso
o mar.

o passado é impossível
feito de pessoas que passaram
(e talvez lavaram por um real a peça)
pelas linhas de um poema impreciso
como navegar pelo mar?
quem conhece estrelas
capazes de qualquer certeza
sobre aquelas possibilidades?
sem qualquer juízo,
erram pelos abismos
procurando não passar

Resta às pessoas um muro
chamado futuro
que separa e encerra
as metades do mar

23/07/2007

Corrida de touros

Um touro azul e preto corria pela rua da minha casa, gritando meu nome e bufando nuvens de sangue. Eu corria dele, tentando achar um balde com água para apagar o fogo que queimava seus chifres, em duas bolas de pano e gordura amarradas lá por algum demônio. Minhas mãos não suavam e meu respirar era tranqüilo, apesar do medo. Afinal, isso não era nada de novo para mim: por mais de 20 anos eu fui o touro que corria pela minha rua. Conhecia muito bem cada etapa da derrota do animal-monstro, como um coroinha ateu sabe uma cartilha decorada de catecismo.

O demônio nunca cansa, ele finge e pára, pensando irracionalmente em seus novos passos. Essa é a hora mais perigosa para quem corre dele (eu, no momento); é aí que ele decide o que vai fazer e, na velocidade de um raio, o faz. Foi assim quando eu-touro matei pisoteada toda uma fileira de gatos que doíam na minha memória. Foi assim também quando queimei com meus chifres de fogo um amor que não funcionou, acabando com ele naquela chama mista de pano e gordura. Quando matei com um par de patadas uma montanha incompreensível de vivências que me alimentaram quando pequeno. Mistérios.

O som das patas no asfalto da rua e o som do bufar que antecede o ataque são os códigos para quem corre. Quando era touro, nunca imaginei que fosse tão difícil ser quem corre dele. Hoje, que sou o eu-corredor, tenho certeza de que essa é uma tarefa ingrata. Mas também sei que não há nada de justo no espetáculo da rua, basta olhar para os pequenos olhos do monstro, afogados em reflexos de chamas.

Corria tanto, fugindo do touro de fogo da minha rua, que nem percebia minhas pernas desmanchando-se em dores e fadiga. Quando virei a esquina da cidade, deixando para trás meu passado, elas pararam de funcionar e afundei meu rosto nos pedregulhos que circundam todas as cidades. As feridas que a brita abriu não doíam e nem deixavam cicatrizes, apesar do sangue que brotava de minha pele, mas coçavam num ardido-queimadura de alergia.

O touro estava longe, mas senti um grande calor dentro de mim. Senti sede, muita sede, e comecei a correr novamente, com um fôlego novo, sem saber o que buscava nas periferias da minha cidade, igual a todas as cidades. Virando esquinas que acabam em descampados encontrei uma velha caixa d'água, com sua estrutura de ferro enferrujado. Parei, bufei e arremeti: uma investida e a água transbordava, torta, pelo chão. Afoguei meu rosto naquela água suja e senti minha sede morrer.

Na distância, as casas da minha rua gritavam, em uníssono, junto com os gatos mortos, o amor que não funcionou e a montanha de vivências, um sonoro e poderoso Olé!. Andorinhas distantes acenavam com lenços brancos demonstrando sua satisfação. Trôpego, em silêncio, senti dó de nós dois enquanto me levantava, orgulhoso pela nossa performance. Um touro jazia morto dentro de mim, desaparecido da minha rua, com chamas apagadas nos chifres, pronto para ser dividido como mera carne.

Não consigo explicar agora, mas, quando o touro era eu, quem afogava minha chama se na solidão da minha rua não havia quem corresse de minhas investidas? Estou confuso e passo a pergunta à platéia da corrida de touros, mas não ouço resposta, somente sons de desaprovação por tamanha falta de claridade, coerência e qualquer sentido. E me vem na cabeça uma só resposta: é apenas a vida.

19/07/2007

Em uma noite sem remédios,
Sonho farmácias e padarias cheias
Distribuindo os lucros dos executivos que pulam dos prédios
Pensando em solidão...

Neons em tons variados de cinza
Cobrem a fachada de seu rosto
Que insiste em fingir ser um porta-retrato
Pensando em solidão...

Falo para ouvidos de madeira e rezo por cupins
Para encher com alguma vida essas estátuas
Como um louco quadrado insatisfeito
Assisto as reprises dos filmes que queria ter feito
Pensando em solidão...

A madrugada não foi feita para dormir
Mas para ser fumada, tragada e consumida
Pensando em solidão...

Conto os tijolos dos meus queridos muros
E, como um velho, reclamo e lamento cada um deles
Pensando em solidão...

Pronto! Gastei um pouco da caneta no meu remédio
Pensando em solidão...

E, só, pensando em solidão,
durmo.

18/07/2007

Constatação

Tendo em vista os fatos,
Podemos dizer que:

Por te perder,
Não tive você,
Não fui com você,
Fomos estranhos em uma fila.

Por hesitar,
Ficamos sem assunto
Em um silêncio do tamanho do mundo,
Silêncio estranho também de fila.

Por querer tanto,
Mas ser prudente
Tendo pressa sendo paciente,
Alguém estranho cortou a fila.

Por falta de alternativa
E fraqueza do cotidiano,
Nós dois erramos
E tudo que não fomos
Foi uma fila de banco.

16/07/2007

Acalanto

Primeira vez que posto uma música aqui.
Espero que gostem!
acalanto.mp3
Vem, moça branca sem nada no corpo,
deixa que canto teu sono, teu rosto.
Vem, moça, dorme ao meu lado, serena,
que a noite sempre irá passar.

Feche seus olhos sem medo de nada,
finja que sou seu amante e sua guarda.
Oi madrugada, proteja esse amor
que o tempo sempre irá levar
embora.

É assim que tem que ser.

Vem, moça branca sem nada no corpo,
deixa que canto teu sono, teu rosto.
Vem, moça, dorme ao meu lado, serena,
que a noite sempre irá passar.

Vai, moça branca com a roupa do corpo,
deixe que o sol ilumine você.
Vai, moça, corre pra longe da dor,
que a gente sempre vai lembrar
de agora.

É assim que tem que ser.

13/07/2007

Alma do negócio

09/07/2007

Chapa quente



08/07/2007

Setembro chove

Para julho,
agosto é uma
promessa.

Para agosto,
julho é uma
notícia velha
que passou
e matou
as flores do seu jardim.

Para julho,
agosto é tudo
o que restou.

Para agosto,
julho é um
antigo amor
que se foi
para longe
mas que um dia vai voltar,
mas só bem depois de setembro...

Para julho,
agosto é sua
evolução,
por mais
que o mês de agosto
goste ou não...

Todos o chamam
de seca ou
de inverno...

E só em setembro chove
e começa a primavera.

05/07/2007

Preciso chamar sua atenção...

Ei! Olha pra mim, olha vai...
Só um pouquinho, assim...
Agora pode cair fora, sai!
Não preciso da dó de ninguém por aqui.

Pronto, será? Funcionou?
Acho que foi!


Ouve, migalha só enche barriga se for muita
e, se for tanta, melhor dar logo um pão.
A fome é uma coisa simples;
encontrar quem a mate, não.
Apareceu você e então?
Pode ser ou tá difícil?
Ah! Me responde o que for,
menos um "tem, mas hoje não"!
Olha que momento incrível:
a lua cheia, a noite fria...
Vem que, pra esquentar,
a gente brinca...
Guarde sua dó para os indefesos,
que ainda tenho meus olhos,
minha fome e seu cheiro
pra me proteger.

Moça, a verdade é que
não tenho nada bonito meu
para dizer ou oferecer,
mas podemos,
juntos,
dividir você.

02/07/2007

Silêncio

É o momento antes
É o cheiro do risco
É o que nos torna distantes
É o que precede o riso
É a mentira sem criatividade
É o clichê do omisso
É a madrugada na cidade
É parte do raciocínio
É a tortura do ansioso
É um argumento preciso
É o pênalti no jogo
É a máscara do cínico
É a cartada mais alta
É a ameaça do amigo
É quando aquilo falta
É a promessa do inimigo
É um complicado problema
É a beleza do mímico
E é o fim do poema

01/07/2007

Hai-kai

imagem por ~reilly
Nas minhas janelas
Vejo centenas de moscas
Presas pelos vidros

Cabeceira

Cheiro de sono,
promessa de fuga,
balanço do dia:
tristeza, alegria.
Descanso da luta,
afogado em sonho,
vem desfazer os nós
que juntei no peito.
Suspiros por hoje,
coisas a pensar sobre,
momento perfeito
para se sentir só.
(ou não)

paradoxo 2

Produzir
muitas coisas rápidas
preguiçosas,
quase belas.
Nunca escrever as novelas
densas,
necessárias
ao porvir.