21/10/2010

Dois faxineiros

Ele entrou no armazém da limpeza, indo buscar algum produto qualquer que precisava para o trabalho. Do lado de fora, o colega espera enquanto mexe lentamente o café com um pedaco de plástico desses que se dá para as pessoas mexerem o café, dentro de um outro plástico tansparente. É esquisito que facam isso, o colega pensa enquanto termina de mexer o café.

Onde está o maldito produto de limpeza? Onde está, no meio de todas essas coisas organizadas em prateleiras, caixas e pequenos conteineres de atacado? Cansa procurar, ele já fez isso milhões de vezes nas noites chatas e repetitivas de seu trabalho, turno do comeco da madrugada. No entanto, continua sem decorar as posicões dos diferentes produtos. É uma pequena batalha pessoal entre ele e o ser indefinido que organiza esse armazém, que prova-se ser um adversário admirável, de fato. Às vezes se repete, outras, não. O aleatório reina na interacão entre ele e essa pessoa que o atormenta indiretamente.

O colega olha para ele desde o lado de fora do armazém, esperando e tomando seu café. Bom café turco, a borra amarga e saborosa. Ele, o colega, despreza, profundamente, o café fraco que esses dinamarqueses fazem. Café aguado, sem sabor, sem pegada. Nem vale a pena por acucar, de tão sem graca, na verdade. Ele olha o outro, dentro do armazém, sem nem pensar em porque demora tanto. Outras coisas o preocupam, coisas sobre essa terra fria.

O produto não facilita a busca, está dentro de uma embalagem pequena, em um andar razoavelmente alto da prateleira, quieto, também esperando. Ele olha cada caixa, tentando decifrar os rótulos em negro sobre o papelão bege. Ele ainda é razoavelmente novo por aqui e a língua não facilita: a escrita é completamente diferente da fala e a fala…A fala não ajuda também - seus sons guturais, suaves e mastigados, são, em boa medida, incompreensíveis. As palavras do rótulo dancam, rindo dele, de sua incompreensão: ele não é daqui, nunca será, é o que os rótulos querem fazê-lo acreditar.

O outro termina o café e joga o copo descartável em uma das latas de lixo que ele e o colega acabaram de limpar. Seu turno está perto do fim: essa tarefa de agora é a última dele e a primeira do outro. Ele precisa do produto para terminá-la e ir para casa, depois de Nørrebro, e fala para o outro exatametne isso, mas sem pressioná-lo demais. Não seria bom, ele sabe que o outro está trriste e estressado, teve problemas com a burocracia outro dia, mas isso se resolve, ele sabe bem disso: nasceu aqui, tem fé no jeito certo das coisas acontecerem e se organizarem. O que ele não entende às vezes é como o outro demora tanto para entender onde ele, em seu turno da tarde, pôs os produtos no armazém. Explica em cinco minutos ao outro onde está o produto e como está organizado o armazém, e ambos trancam o armazém e vão limpar o refeitório da universidade. O outro, sorrateiramente, olha mais uma vez para a porta do armazém e repete para si mesmo a explicacão sobre o lugar certo de cada produto: ele vai se lembrar da próxima vez.

13/10/2010

Manhã de ressaca

A cidade não existe como a conhecemos, mas como a imaginamos nas escuridões (nem tão escondidas) das manhãs perdidas no sono da ressaca. Sempre imagino a cidade sorrindo seu sorriso mais puro nessas mesmas manhãs. O Sol brilha claro e azul, mas não conheco a sua cor, pois meus olhos fechados ainda me prendem à terra do sono. Quem dera a manhã ser mais amiga e me chamar para curtir essa raridade que é um dia feliz de fato? Por que a noite que me vê afundar em embriaguez sempre dá um jeito de avisar a manhã seguinte para me evitar?

10/10/2010

Reclamacão

Por que quebrar o silêncio
se ele intacto vale sempre
muito mais do que quaisquer
palavras que minha boca
poderia formular...

Por que insisto em falar
se o som só me leva à lona,
a mais imunda e qualquer.
Minhas palavras só mentem
no seu matar do silêncio...

Escrever é uma fuga
que também não vale nada.
Escrevo com meu desleixo,
vagabundo e incoerente,
linhas que, fumaca, choram...

Então, as pesadas luvas
do silêncio, numa rajada,
destróem orgulho e queixo.
E restam, timidamente,
páginas que não se dobram.