11/05/2007

O cara

Lucas sabia das coisas, isso era um fato. E era assim mesmo, querendo ou não, ele sabia das coisas, das manhas, pode botar fé. Meio que dominava todo tipo de jogo que pode existir entre pessoas. Conquista, amizade, conflito, discurso, boato, indiretas, o que fosse. Claro que existem muitos como Lucas no mundo, todos conhecem no mínimo um, mas o que chamava a atenção para o seu caso é que Lucas era, apesar de seu incrível talento, um mala, chato de verdade.

Nem era uma questão de arrogância ou coisa assim. Ele sabia disso e até se esforçava em ser legal e tal, mas não saía cem por cento. Quando entrava em um ambiente as pessoas ficavam meio incomodadas, pois, mesmo sendo um chato, ele dominava. Não que virasse o centro das atenções, monopolizasse ou algo assim. Simplesmente todos sentiam na hora que ele sabia das coisas, mesmo que nunca tivesse falado com ninguém do lugar. Ninguém conseguia também explicar porquê o achavam chato, mas era uma unanimidade. Na verdade, ninguém parava muito para pensar no porquê, pois todos só pensavam em como um cara mala como aquele conseguia saber tanto das coisas.

Ser chato complicava as coisas para o Lucas, mas ele sempre sabia como dar um jeito. Um pouco de atenção a mais aqui, uma pergunta inteligente ali, uma piada irresistível aqui, um olhar que diz tudo ali. O cara era, com o perdão da palavra, foda. E isso fazia dele mais chato ainda! É só parar para pensar um pouco: ele sempre acertava, mandava bem mesmo, sem ser arrogante ou forçar a barra, discreto e indiscreto nas horas certas, e, mesmo assim, continuava sendo mala. Parece provocação, fala a verdade. Por conta disso, Lucas era aquele cara que todos torcem para que não apareça na festa, mas que faz muita falta se não vai, entende?

Lucas não era egoísta, não ficava montando banca para seu ego. Ele mandava bem para o coletivo, que nem jogador de futebol bom faz. Era só chegar que agitava tudo e a noite – ou o dia, tanto fazia – mudava na hora. As coisas começavam a dar certo, a conversa funcionava, os olhares tinham resposta, a cerveja gelava, o fiapo de carne saía do meio dos dentes, o trabalho ficava leve, era lindo. Quase exagerei agora, mas era nesse nível, parecia mágica mesmo. E tudo isso meio que emanando daquele carinha mala ali no canto. Ele realmente merecia o respeito velado que tinha de todos, querendo ou não.

O problema de Lucas não era seu tom de voz ou sua cara ou seu jeito ou qualquer outra coisa em particular. Tudo tinha um jeito com ele, sabe? Aliás, tudo tem um jeito, no final, mesmo que seja um jeito meio ruim. Até o fato do cara ser chato tinha um jeito. Incrível e incrivelmente irritante isso, não? Pois é. Bem, também tem coisas que não tem muito jeito, a não ser o tempo passar e a gente se acostumar. Digo isso porque teve um dia em que Lucas simplesmente desapareceu. Do nada, ninguém mais o viu ou teve qualquer tipo de notícia. Aquilo foi realmente muito estranho, não deu para entender. Ficou todo mundo aqui, normal, sem muitos dramas, mas sem ele, entende?

E tudo ficou até mais complexo sem o Lucas do que já era com ele. Esse mundo é muito louco e, agora, um pouco mais chato também. Parece até que o Lucas largou sua chatice no mundo e virou pó, sabe? As coisas continuam aí, como sempre, mas agora faz tempo que não aparece alguém que manje delas de verdade como Lucas manjava. Ele era mala, mas era foda – perdão pela palavra novamente. Engraçado isso tudo, na verdade: o que mais irrita todo mundo nessa história toda do Lucas é ter que sentir essa saudade daquele filho-da-puta!

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