27/09/2007

pancada

vou falar uma palavra proibida,
negativa,
retroativa,
aflitiva:

arrependimento.

cresci muito
pouco, aprendi
menos ainda
hoje sou pior do que fui
e isso não é 'bolinho'

estou cada vez mais louco,
insanidade nada sadia.
pioro a cada minuto
que passo
sozinho

gritos,
muitos gritos,
e raiva,
muita raiva,
esperam o deserto para fugir
de dentro de mim

aqui,
sinto que as paredes são macias
e meus passos abafados
um ventre protegido esconde
um feto foragido
com sua gilete e pouca barba

quando estarei pronto
para, simplesmente,
ser?
e,
finalmente,
nascer?

cortar esse útero material
e me parir?

a ânsia acabou com o medo
de ferir
alguém

meu ou seu,
sangue necessário não é preço
que se pague,
mas,
apenas,
necessidade.

...

mas já é tarde
e chega de falar
dessa minha
vidinha
confortável...

23/09/2007

Terapia de grupo

17/09/2007

desmentido

na verdade, sou um mentiroso.
minto que são verdades
algumas mentiras em que acredito
e acredito serem mentiras
verdades que deviam ser apenas isso,
mentiras.

será que sou idealista
e meu ideal é a realidade objetiva?

mentir é crer na verdade
daquilo que não é verdade ainda?

perguntas por demais reflexivas
muitas vezes escondem mentiras
e isso aprendi por não ter a vaidade
da certeza sobre as coisas já ditas.

sou um mentiroso que conta verdades
que talvez possam ser mentiras
se encontrarem alguém que, sem mentir,
as desminta.

09/09/2007

tabacos

- desista, senhor akira... eles estão longes demais

mais dois tiros ressoaram na escuridão da velha estrada. filhos da puta. yuji virou-se e andou calmamente em direção à viatura, dando o aviso à central. eles seriam pegos cedo ou tarde, os filhos-da-puta. akira guardou sua arma com um suspiro e um olhar atravessado. fechou a porta da viatura fazendo barulho.

- corredores, sempre corredores... estou cansado deles! todos esses jovens! que merda

yuji nao respodeu à fumaça do cigarro na reclamação de akira; achava que aqueles cigarros de tabaco negro dele é que eram uma merda. yuji manobrou a viatura na direção contrária dos fugitivos e acelerou o carro pela estrada escura e deserta. tinha alguma pressa para voltar: emiko o esperava com um sorriso e uma reclamação no jantar de aniversário dos dois. outra discussão a caminho.

- eles serao pegos, senhor akira. está com calor? abra o vidro, o ar desse carro não funciona

- esse vento vai estragar meu cigarro.

o vento uivou pela janela, mais ainda quando algum carro cruzava o caminho na direção contrária. as cinzas do cigarro do detetive akira voavam direto em seu rosto, mas disso ele não reclamava. gostava até. yuji o observou por alguns breves momentos. um ringtone polifonico chamou a atenção de akira. com um apertar de dentes, yuji tirou uma das mãos do volante.

- emiko. sim, eu sei. estou na estrada velha, não vou demorar muito. eu sei que está tudo bem...

- tem rádio nesse carro?

- ... já chego. tchau, emiko.

yuji arrependeu-se de ligar o som da viatura; akira cantava baixo sucessos americanos do passado. emiko detestava cheiro de cigarro, mas yuji já tinha apertado o isqueiro do carro. akira observava pelo canto dos olhos cada movimento do colega mais jovem.

- tudo bem, senhor akira?

- tudo bem você?

yuji olhou fundo os óculos opacos de akira. o som dos carros no sentido contrário aumentou de frequência. uma chamada da central alertava para dois fugitivos na velha estrada. akira coçou o joelho enquanto yuji tragava seu tabaco rúbio. um semáforo aproximou-se junto com a cidade.

- é minha última chamada hoje, senhor

- e você quer saber onde me deixar?

- é o procedimento.

akira engasgou um riso olhando para o jovem colega. esse filho-da-puta também deve ser um bom corredor. yuji pensou em emiko trocando de música no aparelho de som. velho inutil. o detetive subiu o vidro e arrumou seu cabelo. apertou os olhos lendo os letreiros da cidade.

- me larga em qualquer lugar. aquela esquina.

o cigarro de yuji sujou o cinzeiro da viatura. virou o volante com as duas mãos. akira abriu a porta sutil, saindo da viatura com leveza, impressionando yuji. uma reverência do jovem e o som da porta fechando abandonam akira na calçada em frente ao bar. velho inutil. o ringtone do celular reclamou novamente. emiko e o jantar frio. akira virou-se para a rua e a atravessou sem olhar para o tráfego, quase correndo.

08/09/2007

carta para Mi e Dani

quatro para meio-dia

Um dia eu estava andando em um deserto, daqueles tipo Saara, sozinho, e senti que ia morrer de sede...

Entrei em desespero em busca de água, procurei por dois anos seguidos e então achei um lago no meu bolso. Pus ele no chão e ele criou uma superfície extensa e calma como um espelho, onde eu via o céu. Adorei o lago (no sentido de idolatrar) e quis beber de sua água. Fui sem receio, mas, prestes a tocar no lago, me perguntei se devia acabar com a calma e com a imagem do céu no lago. Passei mais dois anos pensando. Então uma borboleta saiu de meu dedo indicador que apontava para o céu e voou até ele. Fiquei olhando. Quando ela pousou no céu nele criaram-se ondas, como se alguém tivesse jogado uma pedra num lago.

Mas o lago continuou imóvel. Então eu percebi que estava com sede de novo (de novo não, ainda...) e bebi da água do lago. Assim que bebi, o lago aumentou em tamanho e, com uma onda, me engoliu. Comecei a me afogar e a amaldiçoar a minha sede Já tinha afundado muito no lago quando olhei para cima e vi o céu... A água fria me embebia, mas eu não me afogava, na verdade. Comecei a perder os sentidos... Fechei os olhos.

Quando abri meus olhos de novo, vi o céu, mas eu estava deitado no quintal de casa. Estranho. Sentia-me como que afogado, me embebia de ar. Lembrei: naquela vida, eu estava apaixonado, mas sentia tristeza. Nessa hora uma borboleta saiu de uma flor e pousou no céu, mas ele não tremeu.

07/09/2007

camisetas?

03/09/2007

bilhete de cabeceira

(ler devagar)

dois pássaros voam juntos
em uma noite de pedra.

eu te protejo do frio
provocando seu sorriso
enquanto puxo as cobertas.

um suspiro seu, profundo,
reclama da porta aberta.

os pássaros buscam ninhos,
eu te observo dormindo,
e encostamos nossas testas.