11/11/2007

Hieróglifo

Ela tem uma tatuagem na nuca. É um nome ou apenas uma palavra, mas não consigo ler, o quarto está escuro demais. Os movimentos de seus cabelos atrapalham minha leitura. Parece até que foi escrita à caneta, mas a palavra não se borra ao meu toque, apesar do suor. Com algum incômodo, chego mais perto e tento ler, inutilmente. Não sei o que pensar disso, nem o que sentir.

De olhos fechados, tento esquecer, mas não adianta, o borrão dança na minha frente de qualquer jeito. Um fogo sobe pela minha espinha e sinto muita raiva. Minha respiração arde, meus dedos travam. Desce um choque pelo meu braço, ela grita algo incompreensível me pedindo para continuar. Sua respiração pesa, sua nuca queima nos meus olhos cada vez mais.

O arrepio no meu corpo cresce de intensidade junto com a raiva. Como nunca percebi aquilo antes? Minha raiva rapidamente vira força e força, movimento. Aperto as mãos tentando esquivar minha paranóia, ela agita seu corpo ao meu toque. A velocidade de meus movimentos me causa alguma dor, mas não posso parar, ela não me deixa. Sua respiração dita o ritmo de meus pensamentos. Toco seu rosto, ela chora e beija meus dedos.

Não vejo seu rosto mas sei que sorri. Minha garganta raspa em sons desesperados. Uma palavra desconhecida me faz querer morrer ali. Uma convulsão sobe pelo meu corpo, minha cabeça se joga para trás, meus dentes se apertam e ouço ecos de um gemido que se aproxima galopando na distância. Sinto todos seus músculos retesados, relaxando aos poucos, mas não posso parar. O fim só chega numa exaustão que gela meus nervos, apagando tudo menos a tatuagem.

Sinto o cheiro de seu cansaço com meu rosto próximo de seu pescoço. Ela dorme, mas o nome, ainda invisível, não me deixa acompanhá-la. Não fecho meus olhos, que se incomodam com seus cabelos, enquanto tento sentir algo. Palavras voam nas paredes do quarto e tremem. Espero algum tempo e a acordo com uma mordida leve, perguntando o que estava escrito em sua nuca. "Amor", ela murmura e volta a seu sono depois de me beijar.

Silêncio no quarto, ela dorme como um anjo inocente. Estou cansado, mas levanto e acendo um abajur. Nunca seria capaz de entender o que estava escrito, a tatuagem é um ideograma em tinta preta na sua pele clara. Toco sua nuca e apago a luz do quarto. Vou até a cozinha e acendo um cigarro, apesar de meu isqueiro quase não pegar, mesmo sendo novo. Acho que nunca vou entender o motivo. Afundando a cara nas minhas mãos, percebo que nunca entenderei o motivo, mas foda-se.

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