25/12/2007
19/12/2007
O portão do burgo fechado [...]
O portão do burgo fechado
(a lua que cruza os muros
com sua chama de isqueiro gasto)
me faz querer desistir de tudo.
Os outros me abandonaram.
O silêncio nunca é puro,
mas, sim, uma tentativa de nada.
Árvores dobram seus ossos frágeis
e flores tristes morrem...
O portão me desafia e cala.
Impotente, aceito minha sorte
sozinho, encarando a muralha:
na solidão que acompanha quem sofre,
a dor de quem abandona a batalha...
Como culpar os medrosos,
ou os conformados,
os que não se importam?
Uma pedra do muro gargalha
sobre os ombros dos que sobram,
corajosos, mas derrotados.
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18/12/2007
10/12/2007
Segunda Pessoa
Ah quanta melancolia!
Quanta, quanta solidão!
Aquela alma, que vazia,
Que sinto inútil e fria
Dentro do meu coração!
Que angústia desesperada!
Que mágoa que sabe a fim!
Se a nau foi abandonada,
E o cego caiu na estrada -
Deixai-os, que é tudo assim.
Sem sossego, sem sossego,
Nenhum momento de meu
Onde for que a alma emprego -
Na estrada morreu o cego
A nau desapareceu.
Fernando Pessoa - 03/09/1924
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08/12/2007
toque
um telefone soa,
quem será?
- quem é?
quem tá aí?
ninguém responde,
mas alguém desliga.
não entendo essa pessoa
que nunca fala nada,
mas que sempre me liga.
quantas vezes será?
em tudo que é lugar
no espaço e no tempo!
na ansiedade ou desespero,
na tranquilidade
e no desterro!
na tarde da partida,
na madrugada do regresso
seu silêncio na linha
e o clique tu - tu - tu...
por que essa implicância comigo?
que pessoa solitária!
que ligue para seus amigos
ou suas antigas namoradas!
será um bêbado arrependido
ou um padre vadio
que um dia foi uma criança levada?!
maldito coitado
que rouba segundos
da minha presença...
é difícil imaginar
nessa cidade qualquer um
para quem eles façam tanta diferença!
talvez...
na verdade, às vezes até lhe admiro,
seu maníaco invejoso, mudo e de alma intensa!
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01/12/2007
Sonho
Meu cavalo perdeu as pernas
Depois que cruzou a chegada.
Sofreu, mas chorou duas lágrimas
Apenas.
Para que voltar,
Se a volta é o inverso da ida,
Apenas?
Melhor continuar
E, seguindo em frente, provar
Que o mundo é redondo
Quando sem fronteiras.
Meu cavalo deixa rastros de tinta
No silêncio do filme chinês.
Sua satisfação é sua caligrafia
E dar xeques-mate no gato de Alice,
Mas no de Alice apenas.
Mataram meu cavalo
E cortaram os quatro pés.
Minha caneta foi assim imolada
Como se fosse uma oferenda,
Apenas.
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