25/05/2007

Em uma pia branca [...]

Em uma pia branca, gotas negras criam desenhos como sardas. Um forte cheiro de água sanitária emerge daquela fotografia. Tomando fôlego outra vez, mergulho naquela imagem. Sinto na ponta dos dedos o viscoso das gotas e o frio sepulcral da cerâmica. O mundo preto e branco da fotografia é feito de tons de cinza, e assim é a vida. Em um mundo de vida e morte, o estar vivo nada mais é do que morrer aos poucos, envelhecer a luz em ferrugem escura, sangrando diferentes matizes. A grande esperança é de que, no mínimo, a foto fique boa e bem guardada na memória de alguém. Quem sabe viver para ter filhos um dia e desenhar essa lembrança na carne da terra não seja nada mais do que essa busca. Mas fotos de lápide compradas com sacrifício, com seu risonho ar de já avisei, não são bonitas. Preciso de ar, estou fraco neste cemitério que resgatei da memória de alguém!

Tiro minha cabeça de dentro da pia suja de gotas negras e abro a torneira. O ar está morto como a cerâmica, meu corpo ofegante. É o medo de não sair, de descobrir algum sentido. Enquanto a lógica formal ou dialética ou qualquer outra forma de lógica já ou a ser catalogada não me enquadrar, estou seguro. Estou a salvo de me tornar nada pois sou inexplicável. Minhas mãos estão mergulhadas na água da pia. Ninguém pode me entender, e ninguém deveria querer, ou quer. Como os grãos ásperos de uma lâmina velha, não sigo o fio. Lâminas cegas são amoladas, pessoas também. Sou jovem e ainda afiado, não tanto quanto deveria ser, mas sei onde ferir. A navalha sangrenta é rápida em seu trabalho, mas demora a ser limpa, e isso incomoda. O cheiro de água sanitária torna-se cada vez mais denso. Sinto-me exausto.

Caio em câmera lenta, mãos e cabeça molhadas, azulejo frio. Vinte centímetros: começo a girar sobre meu eixo. Meio metro: sinto a escuridão e o choque térmico se aproximarem. Toco o chão num baque seco. Minha cabeça dói e a dor, como uma onda de choque, espalha-se pelo meu corpo. De repente, percebo que não estou só nessa desolação. Olho no fundo dos seus olhos impacientes e digo a você, com uma imbecil voz de desespero, que não vou demorar muito. Você não fala nada. Sinto inveja: quem dera fosse eu tão frio assim! Tudo seria tão mais fácil. Odeio supor e imaginar como as coisas teriam sido, mas parece até inevitável fazê-lo. Por dois segundos tudo passa rápido demais. Tudo aquilo que teria sido mais fácil. Minha mente volta ao banheiro.

Seu toque é áspero como seu nome, em contraste com a lisura branca do chão do banheiro. Odeio você por não me deixar só. Sua força é constante e rápida, sou arrastado pelos azulejos. Ainda sinto o cheiro de água sanitária, a pia suja foge de mim como eu tentava fugir de você, mas agora não fujo mais. Estou ainda mais fraco do que no cemitério. Tudo se esvai ao seu toque.

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