30/08/2007

ingenuidade


numa estranha bruma,
perdi um sorriso inebriante que tive
e,
por um momento até triste,
dele não senti
saudade
nenhuma.

e não posso sorrir
enquanto não se calam essas vozes
que tanto lamentam
pelo que não sofreram,
pelo que não passou.
confortar mães
que nunca perderam seus filhos,
seus dentes,
seu viço,
seus vícios?
confortar jovens 'felizes'
sem esperança alguma
em um desespero recente
de quem descobre,
em uma epifania estúpida,
muitas vezes tardia,
que é,
como os outros,
gente?
na neblina sem sorrisos
troquei séculos por mentiras?

estou,
jovem e impreciso,
buscando
calar esses lamentos
apontando
sua estupidez patente
como um espelho.

os sons da dor verdadeira
rasgam como lâminas-cegas
membranas de placentas
de onde nascem os novos homens
que nunca serão esses jovens,
que nunca terão essas mães.

aos filhos dessa dor será vetado
o conforto
inebriante.

aos filhos da verdadeira dor será vetada
a juventude
inebriante.

deles é a realidade,
assim como é minha,
humilhante,
provocante,
filha-da-puta...
e mutável, histórica, objetiva!

na bruma da irrealidade
é impossível sorrir sem pílulas
e tvs a cabo indecisas!

"somos o farol da modernidade"

farol que aponta para o vazio de quem ignora a terra,
de quem espera o mar não ter neblina
e deixar de ser mar
para então,
seguro,
navegar.
aos poucos volta
minha saudade (e vontade) de sorrir
e minha revolta.

conforto mães e jovens que me roubaram os dentes
antes de me jogarem no elevador de serviço,
na hora de dizer tchau ao fim do dia
e comentar ao telefone que sou parte da família.

o mar da história,
para onde o farol aponta
secou há tempos e,
em seu leito seco,
caminha a multidão de filhos da dor,
em meio a uma estranha bruma,
em direção a um gigantesco sorriso,
deixando para trás mães e jovens filhos.

caminham apenas com seus pés,
sobre a terra real, não-metafísica,
sem saudades do que antes foi triste,
sem saudade alguma.

26/08/2007

Primeira folha


Existe uma coisa chamada poesia
E isso eu não sei fazer
Quem disse que eu quero também?
Vou fingir que na realidade existe rima
Em um mundo tão cheio de medidas
Quanto de culpas?

Não quero escrever o que eu sinto
Isso é deprimente e tolo
Mas parece que não consigo
Funciona assim tudo:
É na distância entre o querer e o fazer
Que o poder reside, se esconde
E fode tudo... Tudo mesmo!

O crime foi premeditado, medido, cometido
E, como todo o resto, censurado!
Querer amar é isso e é culpado...
Merda! Deixei escapar uma rima
Quando eu tinha comigo que guardaria
Todas para você!
Que fraqueza mais errada, como sempre...
Por que não posso ser confuso ou covarde?

São os papéis! É isso!
A culpa é dos papéis que sempre acabam...

É por isso que não sei e nem consigo e nem quero...
A culpa é dessa folha!

25/08/2007

para juli:


a tempestade tem sons
só dela;
marés cheias
de inércia
que levantam ondas de sono
lentas,
calmas,
paraplégicas.

é inútil remar
tentando não se molhar
nas águas dessa maré
mais vale sentir
revoltos os cabelos
no vento dos sonhos,
que,
nas tempestades,
são apenas pesadelos
passageiros.

a tempestade,
como tudo que é inconsciente,
de repente,
acorda,
e,
de longe,
surge uma aurora de calmaria
acelerada,
arisca,
que só complica
para recolher os remos
levados pela maré cheia
mas que alivia,
acaricia com calor
o suor dos braços
que carregam,
cansados,
os remos recuperados
e levam,
no ritmo necessário,
sempre em frente,
seu barco.

22/08/2007

quando sonho não tenho miopia [...]

quando sonho não tenho miopia
vejo por olhos que não são os meus
ou serão aqueles os olhos meus
e acordo em outros sonhos todo dia?

sonhos que divido com outros eus
com seus nomes próprios e suas vidas
se vivesse só, seria tão mesquinha
a vida que sonho nos sonhos meus!

e de que adiantaria ver mais longe,
em qualquer mundo de sonho em que viva,
se fosse enxergar somente horizontes?

ter outros a reconhecer de vista
é o motivo de eu enxergar de longe
em sonho ou não, com ou sem miopia.

20/08/2007

o grande rio dos fatos [...]

o grande rio dos fatos
deságua em lugar nenhum
e, no entanto, corre
desesperado,
como se isso fosse incomum.

procura-se um nome
que seja digno desses fatos.
qualquer um
que não falte nem sobre:
um nome exato.

o rio não é largo nem profundo,
não vive de idéias, nem tem muitas sortes...
e por mais que se procure por todos os lados
o grande rio dos fatos, no fundo,
tem em si seu nome exato,
que é não ter nome
algum.

11/08/2007

é engraçado ser confuso [...]

é engraçado ser confuso
às vezes
o problema é não parecer estúpido
mas fazer o quê?
as coisas são assim, assim é o mundo
- mas não necessariamente é assim que tem que ser...

espero!

(o mundo já é complicado
sendo do jeito que é)

e rir... dói rir, a gente fica cansado
às vezes, sabe como é...

foda é confundir ilusão e passado
e nem perceber quão pouco que se é,
entende?

e quando vem a consciência,
ainda que duvidosa,
da paranóia do tímido,
o quê nos resta a fazer,
a não ser sentir uma azia sutil no peito
e esperar passar,
se culpando pela própria confusão,
meio sem jeito?

(...)

interrogações são batata;
foda é achar uma boa afirmação.

06/08/2007

Numa caixa de areia [...]

Numa caixa de areia
movediça
dentro de um belo jardim
de infância,
as crianças correm da natureza
da areia.
Ouço seus gritos
perdidos na distância.

Em espirais de fumaça
dentro dos bares,
pode-se sentir o cheiro
das crianças.

Esperam por finais
de semana
para descansarem
da fadiga
e da preguiça infame, de não mudar.
Então, novamente, ouço seus gritos
abafados pela areia movediça.

Sei os seus nomes
de cor
enquanto grãos de areia
escorrem
pelos meus dedos no velho jardim.
No silêncio das cinzas das crianças,
afundo repetindo seus nomes.

valeu Baiano, pela leitura atenta e a crítica construtiva.

01/08/2007

nada [...]

nada
não diz
não expressa
nem nega

não quis
nem tentou

não fechou
nem abriu

nem maio
nem julho

não foi
nem antes
nem depois

nem distante
nem próximo

nada novo
nem óbvio

algo vago
um tanto quanto
vago
serve

obrigado


valeu Lu, pela crítica construtiva, literalmente.